quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Não queria desistir de Amor. Mas às vezes (talvez mais do que às vezes) Amor estava tão aquém de suas expectativas... Desejava Amor. Mas. Desejava por quê? Por que era o que todos esperavam de si? Dela? Por outro lado... Não. Amor fazia-a feliz. Mas apenas (a penas) assim seria feliz? Quantas formas existem de ser feliz sem Amor? Existem possibilidades ao menos? Amor é imprescindível? Poderia viver sem Amor? Decerto queria ser feliz. Por isso insistiam em Amor? E, afinal, ser feliz é pra quê? De que serve? Pra quem? Com que finalidade, meu Deus? Para Nada. Era-se feliz ou não. Às vezes depende de você, às vezes não. Tinha medo sobretudo do segundo "às vezes".
É certo: Amor não estava sob seu controle. Ela é quem estava sob controle de Amor. Por isso, às vezes odiava-O. Amor omnia uincit.
Amor era força da Natureza. Indestrutível. Arrebatadora. Nesse sentido, competia com Ele. Ela é quem queria ser força da Natureza, indestrutível. Arrebatadora. Impressionava-se. Não... embasbacava-se quando constatava que um minuto para uma mulher apaixonada - sob império de Amor - era, na verdade, uma hora. Odiava Amor. Gostaria de se desembaraçar dele. Muito. Sempre. Mas tinha medo, pois a pergunta permanecia irrespondida: podia viver sem Amor? Ela que era feita para Ele? De que serve um pássaro no chão? Poderia viver infeliz? Era orgulhosa demais para Amor. Queria ser forte como a rocha seca sob o Sol cruel nos morros imponentes. Amor tornava-a mole e úmida como o insignificante musgo na rocha, quando chove. Sentia-se fraca. Amor às vezes era tão devagar. Ela queria a velocidade arrebatadora das ondas do Adriático. E sua força. Queria ser o próprio Mar. Queia ser o próprio Amor. Mas era apenas a embarcação arrebatada pela vagas violentas... Amor não a compreendia. E jamais compreenderia Amor. E então? Por que insistir? Amor omnia uincit. Temia-O. Curvamo-nos ao que tememos: et nos cedamos Amori. Credimus? an qui amant ipsi somnia fingunt? 
Amor só a procurava quando dava-lhe as costas. Mas era preciso força. Sentia-se, no entanto, fraca. Mais ainda quando ousava lutar contra Amor. Ele engolia-a. Sentia. Sentia-se sendo engolida... mais e mais... Quem era Ela? Não sabia mais... Amor incorporava tudo. As horas, os dias... Quem era? Que importa? Existia apenas para Amor. Via-se em Amor. Sem ele, era apenas uma forma sem forma. Uma caixa de leite sem leite. Um aviso sem destinatário. À deriva, uma embarcação.

O medo de perder já é perda.

...

segunda-feira, 29 de outubro de 2012


Na correria do dia, eu mal me lembro de mim mesma, visto que me crio para os outros e não para mim... Mas à noite, antes de dormir, eu me reencontro nas várias performances desse esquizofrênico eu que criei durante o dia todo, e os reconcilio, e os apazíguo. Volto a ser esse eu que não sei quem é, esse que não foi lapidado e, por isso, rudimentar... mas é puro e genuíno. Aí me re-conheço.


Queria ser tudo...


Ah! Infeliz! Queria ser tudo e acabou sendo nem uma coisa nem outra. E por isso era só e ignorante.




segunda-feira, 13 de agosto de 2012

O Tempo e o Modo de Conjulgar a vida

Era tarde. Ia dormir. Já estava deitada quando parou pra pensar na vida e chorou. Felicidade devia ser viver irrefletidamente. Enquanto chorava, tentou registrar à margem da mente: Não viver nos provavelmentes. Basicamente, evitar os Subjuntivos todos. Os “talvez”, os “se” e os “quandos”. Por exemplo, “quando esta árvore dará frutos? Quando ela estiver na estação certa? E se eu me livrasse das folhas secas? Talvez ela morra antes que as flores surjam...” (e outras coisas do gênero). Era preciso evitar também as irremediáveis mazelas do Futuro do Indicativo e os pensamentos que ele lhe trazia: velhice e esquecimento, morte e perda.
A felicidade parecia repousar nas leves asas do Agora. Preocupar-se-ia, portanto, apenas com o Presente do Indicativo, que requer convicção.

(The view of the sea, Renoir).

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Sobre o caçador II


Homens: demonstram vívida iniciativa para travar conhecimento, mas negligência para aprofundá-lo e rapidez para ignorá-lo. Seus pensamentos são tão inconstantes quanto tão fracas são as suas intenções. 



Sobre o caçador I


O homem é pior que a mais facínora e perniciosa cobra, pois a cobra, enquanto predadora mortal, tem sua fome saciada tão logo devora a sua vítima, além de repousar satisfeita por longas horas, tornando-se, portanto, inofensiva. O homem, por outro lado, é insaciável por natureza. Nunca haverá na terra diversidade e quantidade suficientes para a sua doença de fome eterna.

Todo homem é caçador por natureza. No entanto, há alguns aspectos em que se diferenciam no que respeita o seu caráter predatório: Há aqueles que procuram presas fáceis e com ferocidade lhes arrebatam a vida para descartá-las frivolamente. Há, por outro lado, os que não satisfeitos em dar cabo de suas energias vitais, esfolham-lhes o corpo, jactando-se da pele como troféu, reviram-lhes os órgãos vitais, alimentando-se sem desperdícios, isto é, até que não sobre nada. Os mais interessantes, contudo, são os caçadores que se apiedam de sua presa, não as abatendo tão imediatamente. Levam, pois, a caça em vida e, ao invés de se alimentarem delas, alimentam-nas. E, ironicamente, à medida que a presa é alimentada, torna-se, concomitantemente, cada vez mais apetitosa para o abate iminente.