sexta-feira, 15 de maio de 2009

Enunciação minutíssima.






Creio que depois do último post tive um acesso de afasia... Senti as palavras me escaparem fugazes. Espero que hoje eu possa acariciá-las docilmente, mais uma vez. Mesmo que pusilânimes. Efêmeras. E aqui estou, em mais uma das minhas vãs tentativas de explorar por meio de palavras, tudo o que se passa em minha mente. Na tentativa de “dissecar” toda a matéria que me invade, ao que sinto, cada dia mais. Tudo o que se passa por esse mundo aí fora... Que me entorpece. E me assusta. Andei muito pensativa. Introspectiva. Perdida. E ainda o estou. E espero que isso se reflita em cada palavra mal rabiscada que enuncio hermeticamente no papel amarelado, no desespero das mãos trêmulas. Hesitantes. ... Sim, hesitantes, é assim que me sinto ultimamente. Hesitante quanto ao poder que outrem tem de ferir. Daí, o silêncio vem como a melhor solução. Silêncio este que se encerra dentro de mim. Pois há um som dentro de mim. Ou melhor, vários. Ecoando. São as pessoas. Todas elas. É o mundo. Não posso registrar tudo isso com só duas mãos. Dez dedos. Uma mente. Um coração. É demais. E por ser demais escreverei de menos. Em protesto. À minha confusão. Ao mundo, por ser exagerado. Às pessoas, impossíveis de decodificar. Ambos me cansam com todas as suas ricas particularidades.
NOTAS DE QUEM ESCREVE:
Não adotei, ainda, a reforma ortográfica.
Não tencionei nenhuma das rimas.
Ouvindo: "Sunrise" - Norah Jones.

Fim de um post minutíssimo.

sábado, 2 de maio de 2009

Uma vil verdade.



"A verdade imita a ficção...
E a ficção, simula a verdade..."


Eu não sou do tipo de pessoa que acredita em destino. Eu prefiro a aleatoriedade à idéia da onipotência desconhecida que designa nossas vidas... No entanto, há certas verdadezinhas que me fazem entrar em transe. Em um conflito imensurável, sobre o que é a vida, afinal. E se de fato, certas coisas acontecem porque tinham que acontecer. Bom, digo isso devido a uma sucessão de fatos que se desencadearam de tal forma que me senti inclinada a perceber uma realidade. Eu poderia deixar suspensa essa realidade, pendurada nas entrelinhas, mas não sou do tipo que faz mistério. Prefiro mencioná-lo agora. “O quê”, primeiro. Depois, “o como”. Acho muito mais interessante. É sobre uma concepção simples, corrente, que percebi a pouco, o quão vem sendo deturpada. É sobre o seguinte: Amor. Nem preciso, de fato, estar encarando o meu presente enunciatário para imaginar um muxoxo em sua expressão. Uma manifestação de desdém. Pois a introdução pode ter parecido muito mais simpática do que o assunto,sobre o qual pretendo abordar. Mas como eu já disse, o “o quê” nem sempre importa. Este pode até tomar proporções fastidiosas. Mais intrigante mesmo, é “o como”. Vou lhe contar...

Eu terminava de ler um romance policial, - Agatha Christie -, quando fui interrompida por uma pergunta que naquele momento soou um tanto inusitada: “Você vai fazer?” “Fazer o quê?” Perguntei. “Ora, a redação. A professora acabou de passar a proposta.” O tema era deveras interessante. “Narrar um marco em sua vida”. Mas, a proposta mais parecia um tema avulso, e intrínseco havia um subentendimento: “Se virem”. Bom, eu decidira que não faria a redação. Infelizmente, eu tenho uma inabilidade de fazer redações de origem acadêmica. Principalmente, as quais não havia uma proposta que realmente direcionasse o tema pedido. Eu não sei fazer nada sem um norteamento, e decididamente, algo de caráter concursivo. Por fim, esqueci a história.

A minha vida resumi-se a uma coisa: Estudar. Bom, ou deveria resumir-se a isso. Porém, sinceramente, não o faço da forma que gostaria de fazê-lo. Apesar de ser isso o que eu quero fazer para o resto da minha existência, creio que não o exerço com diligência. Estudar. Faço-o de várias outras formas, não convencionais, mas que são resolutamente mais agradáveis. Por exemplo, gosto de estudar as pessoas. Pode até não parecer, já que sou indiscutivelmente distraída. Assumo a minha distração. Sempre cri que ela faz-se necessária. A desatenção do mundo que nos cerca, para fitar nosso mundo, e só assim então, compreender o mundo exterior. Este último é a matéria que nos completa, mas não, a que nos compõem inteiramente. Precisava ressaltar isso. E assim, observo. As pessoas... E já notei uma regra neste grupo, do qual faço parte. Não há exceção. Todos são impulsionados pelo motivo. Vivemos em busca deste. Ansiando, procurando-os, em outras coisas, para aqueles que são mundanos, ou em outras pessoas, para aqueles que são românticos. Há aqueles que possuem um comportamento dual. Ora, mundano, ora romântico. São estas facetas que nos tornam complexos, e os motivos que nos substanciam. Foi perdida nestes pensamentos que me lembrei da proposta,a qual tornei-me relutante a aceitar. Lembro-me que o pouco que me sujeitei a pensar na proposta cheguei à conclusão de que não tenho nenhum marco na minha vida. Uma justificativa conveniente: Sou nova. Tenho muito em frente, ainda. No entanto, creio que levei esta proposição, “narrar um marco em sua vida”, numa perspectiva muito pessoal. Ludibriei-me. Naquele momento, não havia passado por minha cabeça que este marco não seria necessariamente algo que me ocorreu, de fato. Mas, qualquer situação, que por mais vil parecesse, e não obstante, tivesse inerente a ela um significado. Uma liçãozinha. Uma qualquer, que se deu em minha vida. Em meu círculo de amizades. As pessoas que fazem parte da minha existência. Incitei-me a uma coleção de lembranças, observações. Nada. Nada? Sim, por mais que eu buscasse na memória tudo o que me aparecia eram casos, que sinceramente mostravam-se frívolos demais, quais até tomavam proporções vulgares. Um exemplo de um que me chocou. O relacionamento que alguns conhecidos meus levam. Ao que parece-me, há um conceito – moderno -, corrente, sobre relacionamentos. Cito “relacionamentos”, como sendo a ligação íntima, amorosa entre duas pessoas, sejam de sexos opostos ou não. Não entrarei em detalhes em questões de orientações sexuais, mas, digamos que de valores, os que constituem tais relacionamentos. E ouvindo casos de traição mútua, e a sua respectiva aquiescência, também recíproca, que percebi o quão banalizados tornaram-se os relacionamentos de hoje em dia. Outro dia, ouvi um comentário com um perfil que se enquadra neste mesmo paradigma “moderno”, sobre namoro, relacionamento, - preferirei o uso deste último, pois generaliza de forma mais satisfatória -. E bem, segundo o que foi dito pelo enunciador, ele não se importa de ser traído, contanto (!) que ninguém soubesse. Ou melhor, somente eles – o casal em questão -, poderiam saber, ninguém mais. Resolvi perguntar o porquê disso, o que pareceria muito óbvio, mas o fiz na tentativa, apesar de achar um absurdo, de mostrar interesse, tentar compreender. Então, o indivíduo disse-me que não gostaria de ser ridicularizado, que fizessem escárnio deste, acerca desta situação. Então, passei a refletir sobre todas essas eventualidades... Cheguei a uma conclusão. Uma conclusão que ainda está amadurecendo dentre outras concepções que me constituem. Percebi uma verdadezinha, que para mim não foi muito agradável. Compreendi que os relacionamentos não são mais substanciados com sentimentos, e estes corroborados a partir das atitudes. Não. O que acontece agora, a rigor, é que todos os aspectos que formam a união de duas pessoas transformaram-se em representações. Encenações diante da sociedade. Do mundo que os cerca. Há uma inversão da ordem – que tornaria sincero -, aquilo que se vive. Ao invés de os fatores que cercam a convivência, partirem de algo interior – sentimentos como, respeito, confiança -, e refletirem-se – por pura conseqüência – externamente, o externo, é que é inicialmente observado. Posto em prioridade. Compondo o que há entre duas pessoas, que tencionam compartilhar... O quê? Desconfiança? Desrespeito? Sinceramente, nego-me aderir a este novo prisma. Deturpado. Isso não é amor. Não ao outro. No máximo, amor a si mesmo. No máximo, uma busca fútil pela aprovação alheia, - acompanhado de um anseio insaciável, de sentir-se satisfeito consigo mesmo -, dentro de um relacionamento medíocre.

Agora já chega. Você deve estar se perguntando, senão concluindo, que estou ficando velha, louca, e que não sei ordenar meus pensamentos, conjecturar idéias, e que esqueci o meu fito, o meu objetivo principal, o qual iniciei essa conversação. Pergunte-se: “O que tudo isso tem a ver com um marco na vida de alguém??”. Eu disse que “o como” é muito mais interessante do que o “o quê”...
Bom, entendo que a forma como estou abordando as coisas, além de cansativas, podem causar tamanha perplexidade. Mas juro que chego lá. Só não garanto que valerá a pena. Porque isso depende do que você deseja ouvir. Francamente, não estou aqui para dizer verdades veladas. Agradáveis. Estou aqui dizendo o que eu vejo. Não necessariamente com os olhos. Mas projetando realidades, que comprovarão o que venho dizer. Nem sempre sou assim. Mas hoje sim.
Gostaria de ter uma citação que simplificasse o que pretendo dizer conseguintemente, mas, nenhuma me ocorreu. Então, direi eu mesma. Digo que, vivemos em meio à opulência, de pessoas, sentimentos – o qual nos poupamos, às vezes, de entregar verdadeiramente porque somos vaidosos ou tolos demais -, dentre milhares de coisas, vivemos numa imensidão de probabilidades, e às vezes não nos damos conta disso. E sabe por quê? Porque perdemos a noção do simples, do humilde. Não sabemos mais o que é vil, mesquinho, e por isso, às vezes, o somos, sem perceber. No entanto, acredito que há um vil, que se aproxime do simples, qual vale a pena lançar um olhar...

UMA PEQUENA EVENTUALIDADE:
Eu caminhava por algumas ruas, qualquer dia, numa hora qualquer, - estes, pouco importam -, “o quando” e “o como” pouco interessam agora. Por hora, aceite “o quê”. O que eu vi. Eu vi dois mendigos. Um homem, uma mulher. Fitei-os. Resolvi observá-los discretamente. Acho que nunca vira antes, um casal de mendigos. Deve ter sido por isso que parei. Não literalmente. Mas sei que parei. “Ele” se aproximava do lixo que havia ali e debruçou-se sobre ele. Entrou em algo que parecia ser uma investigação. Uma perícia. Obviamente, procurava comida. Para ele, e supus, para a mulher. Enquanto o mendigo procurava, lançava um olhar confiante para a mulher abatida e taciturna, que o fitou de volta e aguardava, paciente. Havia naqueles olhares uma troca de imensa afinidade, compaixão... De salto, ele tirou algo, dotado de animação, que parecia ser uma marmita. Estava praticamente intacta. Provavelmente estragada. E com um leve sorriso de satisfação entregou prontamente à mulher, que transformou sua expressão abatida, por uma mistura de olhar faminto e esperançoso, e culpa, pois não quis devorar abruptamente a comida. Ele balbuciou-lhe qualquer coisa, ela, um pouco relutante, começou a devorar o achado, enquanto ele retornara à procura de “um novo achado” em outro lixo, não muito longe dali. Não demorou muito, e encontrou meio cachorro quente, que com certeza, estava frio, naquele momento. E como se fosse seu dia de sorte, ele caminhou a passos largos e veementes, para perto da mulher. Sentou-se animado, beijou-lhe o rosto, esta correspondeu, e puseram-se a saciar a fome.

Eu não sei, havia algo de nobre naquela cena, que, à vista rápida, seria desprezível, triste demais... Eles não pareciam tão tristes... Estavam sim, abatidos. Mas, com certeza, satisfeitos. Um, por ter-se feito herói, por saber que fez alguém feliz, mesmo que sutil e efemeramente. Outro, por sentir-se seguro, por sentir que alguém zela por ti, e que é amado. E que é correspondido.

Fiquei pensando naquela cena, tão depauperada, vil, porém, tão mais nobre do que qualquer outra que já presenciara. Uma briga num shopping. Uma discussão extenuante em que se procura culpados por um erro cometido. Desrespeito. Ou até mesmo um silêncio doentio. Desconfiança. Ou a simples indiferença quanto a todas essas coisas. Pois se são só papéis representados, pouco importa, se quem o dirige é a sociedade, que é diretor e telespectador.

E ainda quando vejo estas personagens por aí, se vestindo de moral e romantismo dissimulado, onde se tem como mero figurante, o “Amor”, incorporado de forma ignóbil e sórdida, lembro-me daquela cena, esperando encontrá-la em rostos jovens, o retrato do que foi para mim, apesar de simples, muito nobre, real, e sincero. Este foi o marco da minha vida.


Escutando: Beirut - "Elephant Gun"...


Pintura: "Dança na cidade", Renoir.