quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Duas meninas ao piano.

 
    As notas fluíam harmonicamente, e era difícil imaginar que aquela suave melodia saísse das teclas e das cordas daquele velho piano, que já pertencia à família havia quatro gerações. As etéreas notas chegavam aos ouvidos de Catherine, evolvendo-a como um bálsamo. Sim, ver e ouvir Mary tocar era um bálsamo para a sua alma. Irmãs, Cathy veio ao mundo dois anos antes de Mary nascer prematura, fato que, mais tarde, foi associado à precocidade da jovem. A verdade é que a palavra “prendada” é empregada muitas vezes frivolamente, aplicado à Mary, contudo, o sentido da alcunha alcançava a sua quintessência. Aos quatro anos, já mostrava inclinação para a música e, ao mesmo tempo, expandia seu talento artístico para a pintura. “Tudo que nossa Mary toca vira obra-prima! É um talento divino!”, afirmava a Sra. Johnson, quem, está claro, encorajava calorosamente “o prodígio Mary”. 
  Cathy, por outro lado, era dona de uma imaginação singular, que era estimulada por seu insaciável apetite por leitura, tornado-a capaz de pôr sangue nas veias de seus heróis fantásticos. Agora ela ouvia sua irmã, debruçando-se languidamente sobre a cauda do piano. Se o seu corpo denunciava negligência, os seus olhos, ao contrário, revelavam vívido interesse. Indiferente a isso, Mary lia compenetradamente a partitura. Jogara para trás seus longos cabelos ligeiramente ondulados. Presa aos cabelos, que mais pareciam cascatas douradas, havia uma fita azul, que combinava com a musselina de seu vestido branco como espuma do mar. A musselina envolvia-o na cintura, formando um grande laço nas costas. Já o laço que prendia seu cabelo, impedia que mechas atrapalhassem suas vistas enquanto lia as notas a executar. Tinha esse hábito de prender as madeixas sempre que se dedicava a uma tarefa que exigia toda a sua atenção.  Essa postura metódica e atenta, quase adulta, contrapunha-se às maneiras desleixadas e distraídas da irmã mais velha que a observava como um discípulo a um mestre.
   A pedido de Cathy, Mary tocaria Rêverie, de Debussy, a música dileta de sua irmã, que devaneava ao seu lado, ainda inclinada sobre o piano, com os olhos agora perdidos na partitura que tentara em vão decodificar, o que fez as suas faces corarem. Assim como Mary, seus cabelos estavam seguros por um laço, porém rosa, e o seu vestido igualmente rosa, tornava natural, e mesmo angélico, o seu enrubescimento. E então, as notas... As notas que a enlevavam e a deslocavam para paisagens bucólicas, pinturas queridas, versos soltos em sua mente e aos quais a sonata conferia indizível eloqüência. Consciente de sua inaptidão para a leitura musical e de seus ouvidos obtusos, a Srta. Johnson mais velha se sentia como Dante no paraíso que ao ouvir um inefável canto, embora não apreendesse seu sentido, sentia-se, no entanto, tocado por sua beleza: 
                    “E, como a harpa ou viola afinada,
                     mesmo pra quem acorde não conhece,
                     as cordas tesas dão um sopro que agrada,

                     assim dos lumes, que a cruz enaltece,
                     o canto que ora por ela surgia
                     me enlevava sem que o hino entendesse.”[1]

   De modo que, da mesma forma que o enamorado não precisa ter profundo conhecimento da constituição e desenvolvimento da formosa rosa e, por sua vez, a dama com ela honrada, para admirarem sua efêmera beleza ou, ainda, um sonhador a contemplar as estrelas, saber de onde vêm e como surgiram os astros, Cathy não precisava encontrar os dós, os mis e os fás em Debussy para se sentir deleitada.
   Para Mary, Debussy era doce aroma para os seus ouvidos aguçados, todavia Beethoven tinha a sua preferência. E como amava tocar Waldstein! Orgulhava-se de fazê-lo tão impecavelmente; quando tocava essa sonata amada sentia sua branca face se abrasar e corar, não de vergonha, mas de júbilo. Seu corpo todo se entorpecia e, nos momentos de maior concentração, cerrava os olhos para que as notas fossem a única coisa que seu cérebro pudesse visualizar. Nessas circunstâncias, tinha pequenos tiques, contrações musculares, que se repetiam fora de propósito, como o sacudir a cabeça, o que delineava a nítida impressão de que naqueles instantes de frenesi seu cérebro em brasas realizava complexos processos cognitivos e no seu sangue corriam eletricidade e adrenalina. “Ah! Beethoven é um gênio! E minha Mary também!”, gabava-se a Sra. Johnson, enquanto para a filha nada mais existia, havia um apagamento exterior, e toda a sua alma se diluía nas notas advindas de seus ágeis dedos. O Sr. Johnson, em seu patriotismo, tinha preferência pela terceira sinfonia, fruto da veemente tendência revolucionária de Beethoven, que traduzia o tema da exaltação ao herói nacional, cuja figura estava personificada em Napoleão Bonaparte, esse que foi amado e, mais tarde, odiado pelo compositor alemão. Já à Sra. Johnson, indiferente à política e ao imperialismo francês, agradava, sobretudo, a sexta sinfonia, porque amante do campo e da simbiose entre homem e natureza, apreciava tudo aquilo que diluía na alegria a tragédia humana, os cantos de rouxinol, a singeleza idílica e, por fim, a paz.
    Mary acabou de tocar Rêverie, recebendo aplausos e elogios calorosos, enquanto Cathy lhe dizia: 
                 “Oh, quão curto é o dizer, e traiçoeiro,
                  para o conceito! este, para o que eu senti,
                  julgá-lo “pouco” é quase lisonjeiro.”[2] 
E, dito isso, a Srta. Johnson mais nova lhe retribui com um satisfeito sorriso de agradecimento .


Sobre a pintura inspiradora: 
Duas meninas ao piano,(Jeunes filles au piano) de Renoir. 1892, óleo sobre tela, Musée d'Orsay (França).
"Esse quadro corresponde à época em que Renoir se reencontrou com um impressionismo leve, impregnado de doçura. Não há cores agressivas nem apenas linhas duras. A tela é dominada pela mais absoluta harmonia. Uma combinação de cores em que o pintor utilizou variações sutis de alaranjados misturados a verdes e amarelos. Os frágeis rosados roçam os brancos, que se encontram realçados pelo azul pérola.(...) A harmonia também está presente nos rostos semelhantes - apesar do diferente tom dos cabelos - que comungam o mesmo prazer pela música."
(fonte: CAMPS, Teresa, professora titular de História da Arte; Universidade Autônoma de Barcelona; Coleção Folha, Grandes Mestres da Pintura, nº16.) 

NOTAS:
[1] ALIGHIERI, Dante. A divina comédia, o paraíso (part. III). Canto XIV.
[2] ALIGHIERI, Dante. A divina comédia, o paraíso (part. III). Canto XXXIII.
OUVINDO: Debussy, piano works; Beethoven, sexta sinfonia. 

sábado, 20 de novembro de 2010

Caminho através do campo.


Sentada em um ônibus metropolitano, uma velhinha observava melancólica a grama alta que era delicadamente beijada pelos raios da esfera luminosa. O amarelo triunfava exuberante. Não seria insólita uma criatura invejosa de uma planta gramínea?  Eu mesmo já vira muitas moças cujo orgulho fora ferido pela beleza de uma rosa. Dir-se-ia, no entanto, que essa grama tinha uma feição singular. A luz que a acariciava dava-lhe o inefável aspecto de um leão altivo, cuja excitação tornou eriçados os seus pelos exímios. Eram cinco ou seis horas da tarde. Logo o sol se poria. A intensidade de seu fulgor, contudo, deixava claro que essa estrela, que gostava de ser o centro das atenções, não estava disposta a ir dormir tão cedo. A senil mulher fixava agora seus olhos aos relevos de mares de morros. Tapetes que variavam do verde vivo ao dourado cobriam esses morros quase completamente, ao passo que em algumas partes era possível ver a rocha exposta. O cobre da rocha invadia sutil o mar verde- dourado, criando uma imagem selvagem, que, por sua vez, conferia-lhe um ar de algo inexplorado. Havia ali, também, um raso rio que cortava timidamente os limites entre a estrada asfaltada, por que passava o ônibus, e os morros. A essa cena ambígua, entre o urbano e o campestre, juntavam-se alguns cavalos, que bebericavam a parca água do rio, e algumas vacas, que eram atraídas pela beleza do gramado selvagem, vivo. Algumas choupanas aqui e ali acrescentavam ao lugar uma simplicidade que dificilmente seria encontrada no centro urbano de onde vinha aquela fatigada viajante. Os seus olhos de anciã passeavam calma e minuciosamente cada parte da paisagem, nada podia passar despercebido... Agora as vistas subiam aos céus que convergiam do azul límpido e imaculado ao amarelo-avermelhado. Era o sol que, embora oferecendo resistência, já morria. Algumas nuvens disformes se moviam subrepticiamente. O movimento das folhas das vastas árvores, que mais acima do morro se encontravam, indicava que lá fora o vento era forte. A contempladora se aproximava de sua parte dileta. Suas vistas em breve alcançaram uma parte do morro que tinha a indescritível forma de escada... Eram três ou quatro degraus que se estendiam ambiciosamente pela paisagem. O infindável tapete verde e as árvores protagonizavam a cena, enquanto a velhinha, perdida em seus pensamentos, imaginava-se subindo descalça aquelas extraordinárias escadas... Adiante, amores-perfeitos amarelos acenavam, o que lhe dava uma sensação de tranqüilidade.
Voltando o olhar ao céu, invejava as aves que ali voavam livres... Paulatinamente, a cena ia se urbanizando, e a passageira embevecida tornava seu olhar para dentro do ônibus. A maioria dos passageiros dormia. Alguns poucos conversavam entre si ou ao telefone, provavelmente indiferentes à paisagem lá fora. Constatando isso, voltou a abrir o seu livro, enquanto girava a cabeça para trás, como que retribuindo o aceno dos amores-perfeitos que ficaram pra trás. Depois, continuou a leitura que havia interrompido.

p.s.: Ouvindo "Pride and Prejudice soundtrack"; ''Clair de lune'', Debussy. 

Uma pintura favorita:
Caminho através do campo, de Renoir. 1874, óleo sobre tela, Musée d'Orsay (França).
"As pequenas pinceladas que fazem vibrar a tela expressam as sensações experimentadas em um dia bonito. Uma simples mata adquire o mesmo valor de um personagem e matizes de amarelos e verdes, salpicados de vermelho e branco, bastam para Renoir inventar um universo". (...) "Esse caminho conduzia ao moinho de Orgemonte, onde se descotinava umas das vistas mais belas de Paris.(...)"  
(fonte: CAMPS, Teresa, professora titular de História da Arte; Universidade Autônoma de Barcelona; Coleção Folha, Grandes Mestres da Pintura, nº16.) 

domingo, 14 de novembro de 2010

Os corvos de Rimbaud e os corvos de Van Gogh.


Os corvos - (Rimbaud)

Senhor, quando os campos são frios 
E nos povoados desnudos
Os longos ângelus são mudos…
Sobre os arvoredos vazios
Fazei descer dos céus preciosos
Os caros corvos deliciosos.

Hoste estranha de gritos secos
Ventos frios varrem nossos ninhos!
Vós, ao longo dos rios maninhos,
Sobre os calvários e seus becos,
Sobre as fossas, sobre os canais,
Dispersai-vos e ali restais.

Aos milhares, nos campos ermos,
Onde há mortos recém-sepultos,
Girai, no inverno, vossos vultos
Para cada um de nós vos vermos,
Sede a consciência que nos leva,
Ó funerais aves das trevas!

Mas, anjos do ar, no alto da fronde,
Mastros sem fim que os céus encantam,
Deixai os pássaros que cantam
Aos que no breu do bosque esconde,
Lá, onde o escuro é mais escuro,
Uma derrota sem futuro.

  Intertextos:
Lendo Os corvos, de Rimbaud, lembrei-me do Campo de trigo com corvos de Van Gogh. Interessante observar que sensações ímpares e similares foram experimentadas com formas artísticas tão distintas. 
Enquanto os poemas do Rimbaud me transportam para os quadros de Van Gogh – além de Renoir –  os quadros desses dois mestres da pintura, por outro lado, configuram verdadeiras imagens poéticas na mente de seu contemplador. Imagens poéticas que me conduziram, mais uma vez, às paisagens bucólicas de Jane Austen, Ian McEwan, Emlily Brontë, Frances Hodgson, Florbela Espanca, Rimbaud etc etc...
Os corvos de Van Gogh ilustram angústia, solidão e impotência em um campo de céus sombrios, de mares de trigo cujas ondas não permitem uma travessia, uma saída. Aí reina o silêncio, além de uma imensidão muda e incerta, constatada pelas pinceladas fortes, rápidas e aparentemente aleatórias, imprimindo a sensação de caos...  
Os corvos de Rimbaud nos despertam para presença da fria face da morte, do mau presságio. 
Se observadas paralelamente ao Campo de trigo com corvos, essas aves das trevas, que se acercam da carne solitária, vazia, no poema rimbaudiano, preenchem de significado discursivo a obra pictórica vangoghiana.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Uma marca no vidro.

Ela fitava o horizonte como sempre fazia. Olhava a imensidão do céu através dos vidros, captando preguiçosamente as tácitas mudanças dos matizes celestiais... Sentada no banco de um ônibus, entregava-se ao seu usual estado de contemplação. Já se tornara um hábito, um delicioso labor. Nessa manhã brumosa ela buscava o sol. Para onde foi? Abandonou-a ao frio, buscando, aquecendo os que estavam do outro lado da cidade? Desde quando o sol se tornara parcial? Não, não. Aquela esfera luminosa e cálida abençoa indiscriminadamente. Mas nessa manhã gélida e nublada ela tinha a forte sensação de que o sol a abandonara. Sim, a esquecera. Enquanto perdida nesses pensamentos, seu hálito quente, a despeito do frio, embaçara o vidro do ônibus que a levava para seu destino: A vida cotidiana. A monotonia, a incessante repetição. Percebendo a mancha que seu hálito esboçara no vidro, seus pensamentos mudaram de rumo: Sua vida seria como aquela mancha? Efêmera, tênue. Volátil? Aquela manchinha não seria mesmo uma pequena alegoria à sua própria vida e à sua morte?, perguntou-se novamente. Aquela poderia ser a marca da sua existência efêmera, tênue e volátil?

Deixaria uma pequena marca no mundo ou, pelo menos, no vidro de um ônibus local?

O ônibus se aproximava do ponto em que desceria. Levantando-se, espantou esses pensamentos que, para alguém de sua idade, eram lúgubres demais, sobretudo numa manhã, ainda que brumosa.
Antes de descer, porém, ela se virou, procurando a marca no vidro. Já não estava lá.


Ouvindo: "sleep" de Azure ray, The Fray, The Script...

domingo, 22 de agosto de 2010

Dr. House: Genialidade e verossimilhança.

                                         
Há na construção deste anti-herói um evidente equilíbrio de forças que o tornam, por definição, ambíguo e, acima de tudo, verossímil. Nos seus alicerces, há certamente a contraposição de virtudes e vícios, esboçando-se um retrato perfeito do comportamento humano nessa persona singular, assim como nos seus coadjuvantes e efêmeros participantes neste jogo de observações das relações humanas. No seriado HouseM.D., corroboram-se verdades sobre a natureza humana, ao passo que, também, devassam-se mentiras. Isso pode ser constatado quando Gregory House persuade a sua equipe médica a invadir as casas de seus pacientes, afirmando, com a sua mais notória frase, que as mentiras comprometem o diagnóstico: “É uma verdade básica da condição humana que todo mundo mente. A única variável é sobre o quê.”.

No plano estereotípico, é um médico aleijado e viciado em vicodin – remédio para dor causada pela enfartação na perna -. Em decorrência disso, - dor e aparência grotesca - no plano psicológico, carrega um trauma sentimental e, conseqüentemente, um comedimento que, às vezes, alcança repulsa para com outrem. House, portanto, evita relacionamentos e sentimentalizações no que diz respeito ao seu modo de ver o mundo e as pessoas, manifestando-os em seus diálogos e frases de ponderamentos existenciais fortemente acidulados: "Somos animais egoístas e desprezíveis rastejando pela terra, e porque temos cérebros, se tentarmos, com muito esforço, ocasionalmente podemos aspirar a alguma coisa que não seja puro mal."  Refratário às regras sociais e à ética paradigmática, está sempre passando por cima de moralismos convencionais para conseguir o que quer, principalmente quando se trata de obter respostas -"Meu orgulho supera meu instinto de autopreservação" -. É, pois, dono de métodos incomuns na medicina, moldando-o um profissional competente no quesito puramente científico: "Ainda é ilegal fazer autópsia em uma pessoa viva?"  Em contrapartida, a despeito de sua competência profissional, há a sua inabilidade de saber lidar com as opiniões ou quaisquer outros sentimentos alheios, desprezando-os com arrogância e constantemente estupefazendo seus pacientes com verdades "nuas e cruas", mesmo que na hora da morte: "Quase morrer não significa nada. Morrer muda tudo", "Nós nascemos com dignidade, mas morremos sem ela.”.
Apesar de todos os seus deméritos, sua insociabilidade e insensibilidade por exemplo, House torna-se paradoxalmente admirável por suas habilidades para resolver enigmas médicos e produzir comentários analíticos – mesmo que carregados de sarcasmo e certa misantropia. Na trama do seriado médico, em que o vilão é a doença ou mesmos os dilemas morais insurgentes, vemo-nos absorvidos pela loquacidade de que é provido o médico do hospital Princeton-Plainsboro, delineando com pessimismo e humor rude, porém carregada de massa filosófica, suas perspectivas, sempre sob o ponto de vista psicológico, que denotam o seu arguto poder de observação. Visto que o heterodoxo médico trata as doenças como os detetives tratam os crimes, investigando de forma metódica e com raciocínios silogísticos, a personalidade de House é, evidentemente, alçada tanto nos preceitos filosóficos quanto no detetive fictício de Conan Doyle, Sherlock Holmes, personagem clássica da literatura inglesa.

House é impressionante por seu método sagaz e amoral de expor suas idiossincrasias, questionando com ceticismo entendimentos morais e religiosos, conduzindo-os à sua maneira incessantemente irônica: “Se você fala com Deus, você é religioso. Se Deus fala com você, você é psicótico.”
É, dessa forma, possível perceber que a genialidade do personagem está em seu caráter complexo e, sobretudo, na preocupação com o intelecto, contudo, não estando sujeito a paradigmas e idealizações superficiais que têm sido tão comuns no plano fictício da atualidade. Interpretado com maestria pelo ator inglês Hugh Laurie, House é uma figura dramática da contemporaneidade que conquista seus telespectadores por seus talentos intelectuais e respeito à verossimilhança no que se refere à índole humana.






"A verdade começa nas mentiras."

sábado, 14 de agosto de 2010

Tempestade de mulherzinha.

Meu pensamento em ti torna-se celeridade
A respiração suspensa avigora-se, é vendaval
Suspendo, pois, velas, velejando rumo à felicidade
Mas, amor, por esse rumo não passa infortunada nau!

Tragada fui, até a última vela, pelo feroz mar de mágoas
Ah!como pôde auspicioso vento tornar-se autodestruição!
Nada restou! Não vingamos! Foi tudo tragado pelas águas
Turvas dos meus olhos enegrecidos. Estes olhos de ancião.

Lambe-me a face rubra, essa torrente salina
É como, em minhas veias, mortal estricnina
Essas ondas que tomam meus pulmões afogados!

Acabou-se. Os ventos agora sussurram, sibilam
Riem-se, riem-se daqueles que não se amam
Dos que nadaram, nadaram e morreram afogueados!



A despeito da minha carência de talento, ainda insisto em versos...

Ouvindo switchfoot (pra variar): "learning to breathe", "only hope"... 

domingo, 2 de maio de 2010

Um jardim Secreto.


Tira do teu coração este chumbo.
Tem mais leve o próprio passo
Vê como um inefável jardim, o mundo.
Percebe como levas o espírito lasso!
Deita, pois, sobre o húmus do tapete vegetal.
Alonga os olhos à hora do amanhecer
Vê ganhando matizes o céu matinal
Joga a cabeça para trás, deixa o ar te preencher.
E perceberás que tua carne não precisa de nada
Que o astro cálido restaurará às faces tuas cores
Como ao pálido céu, na sua quietude dourada,
Enrubescendo, na primavera, as várias flores
Guardando no cálice vegetal, o doce segredo
Da vida, que se estende em cada forma que respira.
Ouve do gentil pintarroxo o canto ledo
Sente que da natureza a energia do sopro ele tira
Contempla a vida como um secreto jardim, inefável
Que guarda nos ventos silenciosos, a paz.
Não uma paz terrena, mas uma inimaginável.
Ouve, pois, os uivos sapientes assaz.


Ouvindo:Secret Garden soundtrack” , Zbigniew Preisner, e
“Kindle of my heart” (‘a little princess’ soundtrack).

Mais um pouco de metalinguagem: E um pouco de saudosismo.

No post anterior falei sobre obras que me proporcionam a sensação de nostalgia, que a leitura traz com palpável ressonância, o rememorar momentos de ‘uma infância tão bem vivida’.  Disse também que continuaria buscando tais obras. Bom, a obra desta vez foi “O jardim Secreto” de Frances Hodgson Burnett.  Ah, e o ‘poema’(?) foi conseqüência de momentos agradabilíssimos que passei com personagens tão simples que transmitem uma singela – pura e desataviada - noção de vida em um cenário bucólico, onde as pessoas e a natureza estão intimamente ligadas.

sábado, 24 de abril de 2010

Um mundo maravilhoso.


Roda, roda o mundo
Enquanto gira o ponteiro,
Vede a beleza do segundo!
Regozija-se o relógio prazenteiro
Carrega-o, atrasado coelho branco
Fruto onírico da doce menina
Que navega sobre o próprio pranto
Crescer e amiudar, eis a sua sina!
Nesse mundo em que nada há de comum
Sorrisos e listras de Cheshire, o gato
Deliciam-nos Tweedledee, Tweedledum
Corra Alice, sem tênue hiato
Para ser, no mundo inverso, rainha exímia.
À noite, percorrendo os óbices e o riacho
          E com louco chapeleiro, chás e charadas do dia


  Comemoremos, então, nossos desaniversários!
       Com a Lebre de Março e o Humpty Dumpty
            Que, zombeteiro, explica os poemas extraordinários
       Pois só aqueles que são puros de coração
          Alcançam o sentido pueril. Nã’o faz nem nobres             
    Estes pequenos reis sem imaginação.
            São, pois, no país maravilhoso, meros pobres,
      N'sta rica dança a que Lewis Carroll      
deu notas e passos. Aí quem roda é criança    
'Rod'a roda, para se secar quem se molhou'
Rod’a roda pois aí vem nos deitar de pranto, o mar
Roda, roda para girar o mundo que Alice sonhou.
                                               

Pintemos nossas rosas de carmim
Para não termos um terrível fim.

Vede a vida como um louco chapeleiro
Vede como estes singelos versos de fevereiro...









Antes de tudo, esse acidente literário se deu em fevereiro desse ano, quando eu havia acabado de ler dois livros...
Eu sei que falta agudeza às idéias do poema (?) e, sobretudo, uma boa estética, métrica. Esses, porém, são talentos de que, infelizmente, sou totalmente destituída. Em matéria de verso, admito e já admiti, sou medíocre. No entanto, esses versos obtusos surgiram num momento em que a minha vontade de versejar as aventuras – e a genialidade intrínseca a elas – que acabara de ler superou o meu bom senso – este que me tirava a ousadia de versificar minhas toscas visões.

As idéias, a vontade de "poetar" e a fraqueza do meu bom senso (!) vieram por ocasião da leitura de duas obras inefáveis: “Alice no país das maravilhas” e seu seguimento, “Alice através do espelho”. Duas obras, cujos valores literário e histórico inestimáveis, já faziam fama na época de seu lançamento, na Era Vitoriana. Compostas com maestria pelo matemático britânico Charles Lutwidge Dodgson, (conhecido pelo seu pseudônimo Lewis Carroll) essas aventuras – ou desventuras? – seriam, posteriormente, um divisor de águas da Literatura clássica, em que de um lado havia o gênero sério, no máximo joco-sério e, de outro, o surgimento do gênero nonsense. Carroll é, inclusive, um dos poucos autores desse gênero. Sob uma perspectiva insólita e uma mente arguta, Lewis começou a escrever em 1862 uma fantástica história que em 1951 ganharia uma deliciosa versão da Disney – um marco da minha infância -. Em 2010, ‘re-produzida’ por Tim Burton, ganha uma nova recepção, e, saliente-se, nova acepção para o público. No entanto, ler Alice só por ocasião do lançamento de um filme que promete ser sucesso no Brasil – já consagrado nos E.U.A. -, pode ser decepcionante àqueles que se apaixonaram pelo gênero nonsense, por cada personagem e por seus respectivos relacionamentos e diálogos travados com a singular Alice.
O prazer de ler Alice é muito anterior, ou vai muito além, ao prazer de vê-la – a história - reproduzida sob os ardis da tecnologia contemporânea e sob a capacidade ‘hollywoodiana’ de vulgarizar – no sentido de tornar clichê e à semelhança de tudo que já produziu - histórias que em sua essência são singulares. 
Por outro lado, ler Alice é – ou pode ser, depende do ‘histórico’ do leitor - uma experiência insubstituível àqueles que guardavam na memória tênues lembranças de Alice na infância, desde livros, lancheirinhas escolares, primeiras tentativas de desenhar uma personagem idolatrada, temas de aniversários – e desaniversários – ao desenho da Disney.  Ler as obras foi, para mim, reacender minúcias de uma infância tão bem vivida. Revivi sensações, pelo resgate de lembranças da meninice, além de conquistar novas impressões que Lewis Carroll é excepcionalmente capaz de proporcionar por seu evidente conhecimento sobre o universo infantil. O excêntrico escritor conduz de forma tão palatável, mesmo ao público adulto, esse universo infantil por sua habilidade de tecer ingênua e, ao mesmo tempo, sabiamente seus enredos e personagens. E não se engane: A literatura ''carrolliana'' é nonsense, mas no que diz respeito ao seu caráter surreal, feérico e aparentemente ilógico. No entanto, o que Lewis Carroll faz é desafiar essa lógica, não bani-la. Deixa-se de observar abusivamente uma ordem de valores, tão observados na era vitoriana, e prender à narração, de forma viciosa, uma moral paradigmática que chegava a ser absurda no que se refere à educação infantil da época. Carroll satiriza, através do nonsense, esses costumes que aplicados rigorosamente tornavam-se ridículos e mesmo sem sentido.  Um bom exemplo disso é a freqüência contumaz com que a Duquesa diz a Alice: “... e a moral disso é...”. E é interesse observar que essa moral vem sempre desprovida de coerência, como:


(...) “e a moral disso é... ‘Cuide dos sentidos, que os sons cuidarão de si mesmos.’'  “Como ela gosta de achar uma moral em tudo!” pensou Alice com seus botões."

O simples contato com as obras “Alice no país das maravilhas” e “Alice através do espelho” trouxe-me uma sensação de nostalgia que a leitura traz com palpável ressonância. Sensação que busquei, posteriormente, e continuarei buscando em outras obras que me façam lembrar, rememorar, é claro, sob a perspectiva que o tempo nos faz adquirir. E assim, formando uma nova perspectiva que, embora mais madura, não me impeça de ver com certa ingenuidade tudo o que me cerca. Para perceber, como diria Lewis, o ouro no meio da escória.
Enfim, Lewis Carroll é genial por ser como o artesão que produz um trabalho artesanal simples, cuja matéria, contudo, é um verdadeiro mosaico de interpretações e ricas impressões. 

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Nova perspectiva.

É só de mim que me preencho
Nesse vasto vazio que se faz intenso
Tanta pujança, tamanha é a fraqueza
Dos pulsos que se enchem de chumbo
Pois é sangue que o coração bombeia
Ao passo que a mente quer só maciça certeza
Reviro-me, queimo-me, torno-me. É de fé que precisa a veia!
Porque quando eu quero ser outra
Eu busco as fantásticas formas
Livre, imaculada, infantil, louca
Eu quero queimar as bordas (Quero ser quem sou)
Porque eu queria ser leve e maleável como a nuvem
Estender-me, fundir-me em mil matizes
Meus tons voam, vão e vem
Rabisco o indelineável no papel
Por fora eu não sou NADA!
Mas dentro de mim, jaz o céu
Porque às vezes eu tenho que fechar os olhos para ver
Abro as janelas, fito uma nova perspectiva
O papel vazio, a mente divaga...


"Stop there, and let me correct it
I wanna live a life from a new perspective"
 

- New Perspective, Panic! at the Disco.

           


p.s.: Eu sei que essa mania minha de pôr fotos nos meus post's, além de clichê, pode ser um tanto piegas, mas, às vezes, uma imagem diz, para mim, mais que mil palavras. Por mais estúpido que possa ser...


p.s 2.: Percebi que os meus post's levam o texto sempre com a mesma cor, os mesmos tons. Decidi usar algumas cores que ainda não havia usado. Decidi ver meu meu texto sob uma nova perspectiva.