sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Uma marca no vidro.

Ela fitava o horizonte como sempre fazia. Olhava a imensidão do céu através dos vidros, captando preguiçosamente as tácitas mudanças dos matizes celestiais... Sentada no banco de um ônibus, entregava-se ao seu usual estado de contemplação. Já se tornara um hábito, um delicioso labor. Nessa manhã brumosa ela buscava o sol. Para onde foi? Abandonou-a ao frio, buscando, aquecendo os que estavam do outro lado da cidade? Desde quando o sol se tornara parcial? Não, não. Aquela esfera luminosa e cálida abençoa indiscriminadamente. Mas nessa manhã gélida e nublada ela tinha a forte sensação de que o sol a abandonara. Sim, a esquecera. Enquanto perdida nesses pensamentos, seu hálito quente, a despeito do frio, embaçara o vidro do ônibus que a levava para seu destino: A vida cotidiana. A monotonia, a incessante repetição. Percebendo a mancha que seu hálito esboçara no vidro, seus pensamentos mudaram de rumo: Sua vida seria como aquela mancha? Efêmera, tênue. Volátil? Aquela manchinha não seria mesmo uma pequena alegoria à sua própria vida e à sua morte?, perguntou-se novamente. Aquela poderia ser a marca da sua existência efêmera, tênue e volátil?

Deixaria uma pequena marca no mundo ou, pelo menos, no vidro de um ônibus local?

O ônibus se aproximava do ponto em que desceria. Levantando-se, espantou esses pensamentos que, para alguém de sua idade, eram lúgubres demais, sobretudo numa manhã, ainda que brumosa.
Antes de descer, porém, ela se virou, procurando a marca no vidro. Já não estava lá.


Ouvindo: "sleep" de Azure ray, The Fray, The Script...

domingo, 22 de agosto de 2010

Dr. House: Genialidade e verossimilhança.

                                         
Há na construção deste anti-herói um evidente equilíbrio de forças que o tornam, por definição, ambíguo e, acima de tudo, verossímil. Nos seus alicerces, há certamente a contraposição de virtudes e vícios, esboçando-se um retrato perfeito do comportamento humano nessa persona singular, assim como nos seus coadjuvantes e efêmeros participantes neste jogo de observações das relações humanas. No seriado HouseM.D., corroboram-se verdades sobre a natureza humana, ao passo que, também, devassam-se mentiras. Isso pode ser constatado quando Gregory House persuade a sua equipe médica a invadir as casas de seus pacientes, afirmando, com a sua mais notória frase, que as mentiras comprometem o diagnóstico: “É uma verdade básica da condição humana que todo mundo mente. A única variável é sobre o quê.”.

No plano estereotípico, é um médico aleijado e viciado em vicodin – remédio para dor causada pela enfartação na perna -. Em decorrência disso, - dor e aparência grotesca - no plano psicológico, carrega um trauma sentimental e, conseqüentemente, um comedimento que, às vezes, alcança repulsa para com outrem. House, portanto, evita relacionamentos e sentimentalizações no que diz respeito ao seu modo de ver o mundo e as pessoas, manifestando-os em seus diálogos e frases de ponderamentos existenciais fortemente acidulados: "Somos animais egoístas e desprezíveis rastejando pela terra, e porque temos cérebros, se tentarmos, com muito esforço, ocasionalmente podemos aspirar a alguma coisa que não seja puro mal."  Refratário às regras sociais e à ética paradigmática, está sempre passando por cima de moralismos convencionais para conseguir o que quer, principalmente quando se trata de obter respostas -"Meu orgulho supera meu instinto de autopreservação" -. É, pois, dono de métodos incomuns na medicina, moldando-o um profissional competente no quesito puramente científico: "Ainda é ilegal fazer autópsia em uma pessoa viva?"  Em contrapartida, a despeito de sua competência profissional, há a sua inabilidade de saber lidar com as opiniões ou quaisquer outros sentimentos alheios, desprezando-os com arrogância e constantemente estupefazendo seus pacientes com verdades "nuas e cruas", mesmo que na hora da morte: "Quase morrer não significa nada. Morrer muda tudo", "Nós nascemos com dignidade, mas morremos sem ela.”.
Apesar de todos os seus deméritos, sua insociabilidade e insensibilidade por exemplo, House torna-se paradoxalmente admirável por suas habilidades para resolver enigmas médicos e produzir comentários analíticos – mesmo que carregados de sarcasmo e certa misantropia. Na trama do seriado médico, em que o vilão é a doença ou mesmos os dilemas morais insurgentes, vemo-nos absorvidos pela loquacidade de que é provido o médico do hospital Princeton-Plainsboro, delineando com pessimismo e humor rude, porém carregada de massa filosófica, suas perspectivas, sempre sob o ponto de vista psicológico, que denotam o seu arguto poder de observação. Visto que o heterodoxo médico trata as doenças como os detetives tratam os crimes, investigando de forma metódica e com raciocínios silogísticos, a personalidade de House é, evidentemente, alçada tanto nos preceitos filosóficos quanto no detetive fictício de Conan Doyle, Sherlock Holmes, personagem clássica da literatura inglesa.

House é impressionante por seu método sagaz e amoral de expor suas idiossincrasias, questionando com ceticismo entendimentos morais e religiosos, conduzindo-os à sua maneira incessantemente irônica: “Se você fala com Deus, você é religioso. Se Deus fala com você, você é psicótico.”
É, dessa forma, possível perceber que a genialidade do personagem está em seu caráter complexo e, sobretudo, na preocupação com o intelecto, contudo, não estando sujeito a paradigmas e idealizações superficiais que têm sido tão comuns no plano fictício da atualidade. Interpretado com maestria pelo ator inglês Hugh Laurie, House é uma figura dramática da contemporaneidade que conquista seus telespectadores por seus talentos intelectuais e respeito à verossimilhança no que se refere à índole humana.






"A verdade começa nas mentiras."

sábado, 14 de agosto de 2010

Tempestade de mulherzinha.

Meu pensamento em ti torna-se celeridade
A respiração suspensa avigora-se, é vendaval
Suspendo, pois, velas, velejando rumo à felicidade
Mas, amor, por esse rumo não passa infortunada nau!

Tragada fui, até a última vela, pelo feroz mar de mágoas
Ah!como pôde auspicioso vento tornar-se autodestruição!
Nada restou! Não vingamos! Foi tudo tragado pelas águas
Turvas dos meus olhos enegrecidos. Estes olhos de ancião.

Lambe-me a face rubra, essa torrente salina
É como, em minhas veias, mortal estricnina
Essas ondas que tomam meus pulmões afogados!

Acabou-se. Os ventos agora sussurram, sibilam
Riem-se, riem-se daqueles que não se amam
Dos que nadaram, nadaram e morreram afogueados!



A despeito da minha carência de talento, ainda insisto em versos...

Ouvindo switchfoot (pra variar): "learning to breathe", "only hope"...