sexta-feira, 15 de abril de 2011

Poesia de Fragmentos.

Porque, um dia, as vozes de todos aqueles textos – sangue dos poetas mortos - se dissolveram em minha cabeça, e esse líquido que era multifásico, heterogênico, agora é um, mas nem por isso uno...


“Matéria é de coturno, e não de soco,
A que a Ninfa aprendeu no imenso lago;
Qual Iopas não soube, ou Demódoco,
Entre os Feaces um, outro em Catargo.
Aqui, minha Calíope, te invoco
Neste trabalho extremo, por que em pago
Me tomes do que escrevo, e em vão pretendo,
O gosto de escrever, que vou perdendo”[1]
(Os Lusíadas, Camões; Canto X)


Passeio na incerteza da forma
Moro na possibilidade,
Casa mais bela que a prosa[2],
Rua que não se manifesta:
É longa, é alta[3],
Às vezes escura, mas tem forma,
Tem festa.
Na densa noite, observo:
Nossa sentimental amiga, a Lua![4]
Ou talvez... Seja o adorno da Noite, querendo seduzir
Os jovens corações atrozes jogados na rua...
Alumiando pobres viajantes rumo a seu pesar[5]
Viajantes saltimbancos, poetas notívagos,
E ela (a Lua): “Como divagais.”[6]
Ó, Ossos dos poetas mortos, a prosa desafiais!
À prosa desafiais!
Poesia, poesia te desvias...
Desafias o arcabouço da linguagem, e suas vias...
Marginaliza a gramática que adoráveis
Pois o homem que jamais muda sua opinião é como água estagnada
E engendra os répteis da mente[7], os extintos répteis...
Tece poesia, lenço que de um lado é forma e de outro, conteúdo:
A linguagem, nuvem capciosa, é opaca e, na densa noite de
Plenilúnio, o poeta a ela se dirige: 
“Rio dos mistérios, 
que seria de mim
Se me levassem a sério?[8]
Pois então, ri, ri como os loucos
Devaneia como os sensatos
Pois todo signo é ao significante pouco
Não pensa, então, em hiatos
Escreve como condenados – à própria paixão
Que nas trevas da ignorância
Aguardam às portas da percepção
Portais de multicolorida ânsia
Toma da árvore o proibido fruto ígneo
- A destruição das coisas é o sentido da poesia[9] -
 Em todo escrito há uma falência, é vil,
Pro que se sente, julgá-lo pouco é lisonjeiro[10], e O Poeta o sabia!
O pensamento é fluxo selvagem, intransponível
E a poesia, que flui melíflua, é, porém, inerte retrato!
A alvura da folha, terra de ninguém, tão falível
E é o cinza da massa encefálica que define o trato.

Poesia

Desafia

O pensamento

Sê seta que corta o vento.



NOTAS:
[1] Calíope: Musa da poesia épica.
      Coturno: estilo pomposo, solene. (Literalmente, calçados dos atores trágicos.)
      Soco: estilo trivial. (Literalmente, soco, calçado dos atores cômicos.)
[2] Emily Dickinson, Poemas escolhidos, LP&M Pocket.
[3] Cecília Meireles, Rua (Sonhos 1950-1963).
[4] T. S. Eliot, Conversa Galante.
[5] T. S. Eliot, Conversa Galante.
[6] T. S. Eliot, Conversa Galante.
[7] William Blake, "Uma Visão Memorável", de O casamento do Céu e do Inferno.
[8] haikai de Paulo Leminski.
[9] George Orwell, excerto de Na sombra de 1984 - Um pouco de ar, por favor!
[10] Dante Alighieri, A divina comédia, o paraíso (part. III). Canto XXXIII:  
                 “Oh, quão curto é o dizer, e traiçoeiro,
                  para o conceito! este, para o que eu senti,
                  julgá-lo “pouco” é quase lisonjeiro.”

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Nuvens densas choram...

Nuvens densas choram no final da tarde - esse lúgubre momento de morte.
Precipitam-se sobre o declínio solar – e nos morros também –
Para nascer exangue - a Lua!
Gotejais, nuvens, o céu, para purificar-lhe o corpo imensamente dourado.
Rubro, sangra tardes passadas,
Homenageiam-te as aves fúnebres nos cumes de mares de morros,
Esses mares de ondas inertes, tão verdes, quase azuis
Imortais ouvintes dos ventos uivantes,
Ventos que fazem dançar a relva, como cabelos de mulher,
Seduzindo ruminantes...

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Epigrama.

Rumava sempre para um caminho deserto,
O seu destino era a solidão.
Eterno companheiro, o vento, decerto,
Carregava-o na sua seca mão.

O seu destino era a solidão,
Rumava sempre para um caminho deserto,
Carregava-o na sua seca mão,
Eterno companheiro, e o vento, decerto.

O seu destino era a solidão,
Carregava-a na sua seca mão.
Rumava sempre para um caminho deserto,
Eterno companheiro, e o vento, decerto.

Rumava sempre para um caminho deserto,
Carregava-o na sua seca mão.
O seu destino era a solidão.
É terno companheiro, o vento, decerto.

Tinha longas conversas com os sibilos dos ventos que timidamente passavam pelas frestas das fenestras e das suas portas postas fechadas.  - Vento, se és da cidade, do mar, do deserto, se és seco ou duro, se és terrenho ou travessão, brisa ou corrente,  és sempre, de qualquer modo, companhia fina e impalpável.- Deitava a cabeça na relva e recebia o seu áspero carinho – sentia tudo tão pungentemente! -. Recebia sábios conselhos de suas melhores amigas: As árvores. Alimentava-se de sua seiva e de suas raízes, arranhava escrevendo em seus troncos atrozes toda a história de sua dor sufocante que eternizaria no súber, desgraçando o líber – puellae liber - livro desditoso. As unhas suberosas eram os algozes, o súber, vítima, e o líber, testemunha.
Comia as várias flores – girassóis, amores perfeitos e narcisos, chuva de prata, copo de leite, boca de leão e tango, que guardou para mais tarde. Mastigava-as e as engolia num delito contra a sua própria natureza humana – essa que tende a ser consumida pela beleza, sem jamais consumi-la. Na hora sexta do dia, descansava a cabeça no musgo e fitava o céu, momento em que seria ignorada pelos pássaros. Fora repelida de seu bando de albatrozes, porque insistira ardentemente em ir a terra para confabular com os humanos – não há blasfêmia maior do que um pássaro no chão. De que serve um pássaro no chão? - então, foi aí que teve suas asas quebradas. Agora, condenada a essa ignóbil dualidade – pássaro sem asa/ humano inanimado – entregava a sua alma presa na sua tosca condição corpórea às criaturas rochosas e, num futuro cada vez mais próximo, entregaria seu corpo às profundezas da terra para que, enfim, a sua alma voltasse a voar livre no seu lugar de origem – de onde nunca deveria ter caído – o céu. 

sexta-feira, 1 de abril de 2011

(Re)construção.

Visto aquele semblante
De décadas vividas...

Eu visto mais uma vez
Esses olhos áridos,

Construo mais uns edifícios
De impassibilidade,

Deixo morrerem os passos
Outrora ávidos,

Resgato aquelas ruguinhas
De avançada idade,

Visto aquele semblante
De décadas vividas...