sábado, 27 de junho de 2009

Pequenos grãos de areia nas ampulhetas.

És um senhor tão bonito 
Quanto a cara do meu filho 
Tempo tempo tempo tempo 
Vou te fazer um pedido 
Tempo tempo tempo tempo...
Compositor de destinos 
Tambor de todos os rítmos 
Tempo tempo tempo tempo 
Entro num acordo contigo 
Tempo tempo tempo tempo...
E quando eu tiver saído 
Para fora do teu círculo 
Tempo tempo tempo tempo 
Não serei nem terás sido 
Tempo tempo tempo tempo...
Ainda assim acredito 
Ser possível reunirmo-nos 
Tempo tempo tempo tempo 
Num outro nível de vínculo 
Tempo tempo tempo tempo...
Caetano Veloso - Oração ao Tempo


Quem me conhece acha-me irônica. Sarcástica. Em verdade, eu bem o sou boa parte do tempo. Mas às vezes não. Digo simplesmente uma verdade que é irônica por si própria. E gosto das verdades. Não que eu me divirta com elas. Não. Até porque muitas delas tomam formas. Machucam. Inclusive a mim. Não estou ilesa a tudo isso. Mas gosto das verdades porque parte de mim precisa de uma ponta de realidade. Já disse aqui que gosto de passar boa parte do tempo imaginando, desconectando-me, mas isso não quer dizer que esqueço a realidade. O mundo, propriamente dito. Pois aquele que idealizamos, infelizmente, existe apenas costurado em nossas mentes, ostentado em nossos sonhos. Dia a dia, experimentamos o gosto amargo do real. Daí, você pensa, “essa garota é destrutiva”. Não sou. Admito ser ora pessimista, mas ora, inclino-me sobre o utópico otimismo. No entanto, não abro mão do realismo. Do mundo como é de fato. O sabor acre é uma conseqüência. Melhor: Uma indicação. Um indício de que já conhecemos algo mais. Que valha a pena. E então, estamos sempre buscando estas sensações. Tornam-se um motivo, para prosseguir. E mais: Se vivêssemos inocuamente, medíocres, não nos daríamos conta da dor. Pois esta só existe depois que experimentamos algo, tão fugaz como a vida é. Intensa: Felicidade. Mas não falarei explicitamente sobre ela. Não hoje. Comecei falando sobre ironias e verdades, e delas falarei a seguir. No post passado, falei sobre MORTE E CHOCOLATE. Pouco depois, - não sei se foram horas ou dias - disseram-me que Michael Jackson havia morrido. De súbito. O mundo perdeu o Rei do pop, de maneira imprevisível. O mundo chorou. A mídia repetiu zilhões de vezes os melhores momentos do cantor. E os escândalos, claro. As transformações de rosto, como sempre. Especulações. Defeitos e qualidades foram ressaltados nas diversas homenagens feitas por vários canais da TV aberta, internet, jornais. Dizem que ele se foi cedo demais. Apenas 50 anos. É deveras uma vida curta. Mas não é assim que gosto de ver as coisas, uma vez que ele fez parte de inúmeras gerações. São cinco décadas de inovação seja na música seja na dança. Michael Jackson cantava desde os sete anos de idade com o grupo Jackson’s Five. Lembro-me de ouvir esta banda desde nova. E sempre gostei muito de suas músicas, inclusive as de sua carreira solo. É inegável que seu trabalho fez parte da minha infância e até os dias atuais. Bom, ouvi muitos lamentos sobre a morte inesperada e protestos para que parassem de divulgar os escândalos da vida pessoal do artista. Nada disso me impressionou, já que está intrínseca à natureza humana a negação de uma verdade irrefutável: somos efêmeros, mas nem sempre nos damos conta disso. E temos facetas. Irônica e literalmente Michael teve várias. Sarcasmo? Não. Hoje não. Isso tudo me fez lembrar um livro. Há uma frase genial nesse livro, A menina que roubava livros, – e falarei muito mais dele – na qual a Morte - a narradora da história – diz algo que eu mencionei no post passado, daí a grande ironia disso tudo. Eis o trecho: “O ser humano não tem um coração como o meu. O coração humano é uma linha, ao passo que o meu é um círculo, e tenho a capacidade interminável de estar no lugar certo na hora certa. A conseqüência disso é que estou sempre achando seres humanos no que eles têm de melhor e de pior. Vejo sua feiúra e sua beleza, e me pergunto como uma mesma coisa pode ser as duas. Mas eles têm uma coisa que eu invejo. Que mais não seja, os humanos têm o bom senso de morrer.” É simplesmente genial. Essa frase sempre volta à minha cabeça, desde que li o livro: “os humanos têm o bom senso de morrer.” Certa vez, eu disse que morrer é uma eventualidade. Uma passagem, na qual esforçamo-nos para compreender a própria existência. (post A história explicada). E ouso mais: Morrer é fácil. Difícil é viver. Só por favor, não se precipite. Morrer é fácil para quem vai. Mas é difícil para quem fica. Para quem perde. Para quem vê outrem partir. Nunca disse que lidar com a perda é fácil, é eventual. É verdade que é certa. Inevitável. No entanto, dolorosa. Além do mais, se estamos sempre nos mostrando no que temos de melhor e de pior, chegaria um momento em que teríamos que decidir se somos feios ou bonitos, maus ou bons, e certamente não somos nem uma coisa nem outra. Somos os dois. Somos o equilíbrio de duas forças que nos constituem. Não existem vilões ou mocinhos, como os que você idealizou quando criança. Pensar assim é inocência demais. E somos complexos demais para nos resumir a uma coisa só. Somos compostos por partes antagônicas. Somos controversos, portanto, humanos. Por isso, não poderíamos viver muito. Seria cansativo. Até porque começamos a morrer a partir do momento em que nascemos. E outra: O ser humano é tão desastrado quanto parece ser. Sim. Busque na história. Quantos erros já cometemos? Quanto mal já causamos ao mundo? Erramos porque estamos simplesmente seguindo a ordem natural das coisas. Não conheço tal ordem, mas sei que ela existe. Basta olharmos para nós mesmos. Quantas coisas já fiz que me arrependesse? A enunciação “nunca me arrependo de nada” é bonita, mas é decididamente mentirosa. Aliás, outra coisa que fazemos por puro instinto, mentir. Mas essa é outra história. A questão é que os humanos são desastrados porque erram e se arrependem e podem continuar errando. Eu poderia aproveitar o ensejo para dizer que é isso que nos faz felizes, que nos torna únicos e mais sábios. Não, balela. Coleções de erros e arrependimentos não deixariam espaço para nossas virtudes. Nossos vícios e manchas – inevitáveis – se sobressairiam ao que somos de bom. Aperfeiçoaríamos nossas qualidades ao passo que concomitantemente moldaríamos também nossas patologias. Note-se que estou falando de Michael Jackson. Uma comprovação útil. Porque é uma pessoa pública. Porque foi alguém que teve seus defeitos – que em sua maioria não passam de especulações - e virtudes salientados. E acima de tudo, alguém que foi muito perseguido. Mas que resolutamente deixou sua marca no mundo.
Creio, que por tudo isso o tempo não nos é ininterrupto. É verdade que ele passa indiscriminadamente, talvez com pequenas influências, provenientes de nossas atitudes, do modo como vivemos. No entanto, ele cessa para nós. Esgota-se. Passará para cada um. E é isso que torna tudo interessante. Somos incitados a provar em tão pouco tempo, a todo instante, que nossa existência valeu à pena. Pois o tempo para os humanos é mais que a areia na ampulheta, é a própria vida.












Tributo a Michael Jackson.
Alguém que fez da vida autênticos passos de dança.

2 comentários:

  1. Luh...adorei o post!!

    E amei de paixão a seu escolha por "Oração ao tempo" do caetano. Ela diz tudo.

    Otítulo do post tbm foi de ótimo gosto. Amei.

    Como sempre, ótimo!

    Fantástico!

    ResponderExcluir
  2. Excelente dito. Admirei, tomou tempo minha atençao, meu pensamento.. Minhas teorias. Minha tese. Parabens pelo blog.

    ATT, Pepa.

    ResponderExcluir