domingo, 14 de novembro de 2010

Os corvos de Rimbaud e os corvos de Van Gogh.


Os corvos - (Rimbaud)

Senhor, quando os campos são frios 
E nos povoados desnudos
Os longos ângelus são mudos…
Sobre os arvoredos vazios
Fazei descer dos céus preciosos
Os caros corvos deliciosos.

Hoste estranha de gritos secos
Ventos frios varrem nossos ninhos!
Vós, ao longo dos rios maninhos,
Sobre os calvários e seus becos,
Sobre as fossas, sobre os canais,
Dispersai-vos e ali restais.

Aos milhares, nos campos ermos,
Onde há mortos recém-sepultos,
Girai, no inverno, vossos vultos
Para cada um de nós vos vermos,
Sede a consciência que nos leva,
Ó funerais aves das trevas!

Mas, anjos do ar, no alto da fronde,
Mastros sem fim que os céus encantam,
Deixai os pássaros que cantam
Aos que no breu do bosque esconde,
Lá, onde o escuro é mais escuro,
Uma derrota sem futuro.

  Intertextos:
Lendo Os corvos, de Rimbaud, lembrei-me do Campo de trigo com corvos de Van Gogh. Interessante observar que sensações ímpares e similares foram experimentadas com formas artísticas tão distintas. 
Enquanto os poemas do Rimbaud me transportam para os quadros de Van Gogh – além de Renoir –  os quadros desses dois mestres da pintura, por outro lado, configuram verdadeiras imagens poéticas na mente de seu contemplador. Imagens poéticas que me conduziram, mais uma vez, às paisagens bucólicas de Jane Austen, Ian McEwan, Emlily Brontë, Frances Hodgson, Florbela Espanca, Rimbaud etc etc...
Os corvos de Van Gogh ilustram angústia, solidão e impotência em um campo de céus sombrios, de mares de trigo cujas ondas não permitem uma travessia, uma saída. Aí reina o silêncio, além de uma imensidão muda e incerta, constatada pelas pinceladas fortes, rápidas e aparentemente aleatórias, imprimindo a sensação de caos...  
Os corvos de Rimbaud nos despertam para presença da fria face da morte, do mau presságio. 
Se observadas paralelamente ao Campo de trigo com corvos, essas aves das trevas, que se acercam da carne solitária, vazia, no poema rimbaudiano, preenchem de significado discursivo a obra pictórica vangoghiana.

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