sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Uma marca no vidro.

Ela fitava o horizonte como sempre fazia. Olhava a imensidão do céu através dos vidros, captando preguiçosamente as tácitas mudanças dos matizes celestiais... Sentada no banco de um ônibus, entregava-se ao seu usual estado de contemplação. Já se tornara um hábito, um delicioso labor. Nessa manhã brumosa ela buscava o sol. Para onde foi? Abandonou-a ao frio, buscando, aquecendo os que estavam do outro lado da cidade? Desde quando o sol se tornara parcial? Não, não. Aquela esfera luminosa e cálida abençoa indiscriminadamente. Mas nessa manhã gélida e nublada ela tinha a forte sensação de que o sol a abandonara. Sim, a esquecera. Enquanto perdida nesses pensamentos, seu hálito quente, a despeito do frio, embaçara o vidro do ônibus que a levava para seu destino: A vida cotidiana. A monotonia, a incessante repetição. Percebendo a mancha que seu hálito esboçara no vidro, seus pensamentos mudaram de rumo: Sua vida seria como aquela mancha? Efêmera, tênue. Volátil? Aquela manchinha não seria mesmo uma pequena alegoria à sua própria vida e à sua morte?, perguntou-se novamente. Aquela poderia ser a marca da sua existência efêmera, tênue e volátil?

Deixaria uma pequena marca no mundo ou, pelo menos, no vidro de um ônibus local?

O ônibus se aproximava do ponto em que desceria. Levantando-se, espantou esses pensamentos que, para alguém de sua idade, eram lúgubres demais, sobretudo numa manhã, ainda que brumosa.
Antes de descer, porém, ela se virou, procurando a marca no vidro. Já não estava lá.


Ouvindo: "sleep" de Azure ray, The Fray, The Script...

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