quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

"Tu Tens um Medo"

"Abre as tuas mãos sobre o infinito.
E não deixes ficar de ti
Nem esse último gesto!
O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor...
... E tudo que era efêmero
se desfez.
E ficaste só tu, que é eterno." 


            (Trecho de "Tu Tens um Medo" de Cecília Meireles - Sempre ela, decifrando-me em versos).


Medo. Medo do amanhã. Medo de errar. Medo de perder, magoar, chorar... Medo das reticências. E dos pontos finais.
O peito dói. Sente o nó na garganta, a respiração descompassa, a cabeça lateja, as mãos tremem, os lábios vacilam: Vai chorar. Sim, certamente, ela vai chorar. Já sentia as mãos algozes cercando-a. Está chorando. Mas os olhos ainda refletiam o clima árido. A dor no peito aguda. Fecha os olhos procurando se concentrar na dor que a possui. Encontra-a. Dá-lhe um sorriso insatisfeito. Infeliz. Agora que a encontrara, tomou coragem para intensificá-la, querendo, dessa forma, que todo o seu corpo se conscientizasse da sua presença inoportuna. Essa dor que a invadia silenciosamente precisava ser delatada. Os olhos já ardem, mas ainda não transbordavam. Precisava concentrá-la mais...
O peito ainda doía, o nó no estomago. Fecha-se, então, num abraço solitário, encolhendo-se, enroscando-se em si mesma, recebendo-se e dando-se o próprio parco calor.[1] Os joelhos quase tocam o seu queixo. Como se todos os membros necessitassem, naquele momento, de uma unidade consolidada. Todas as partes anatômicas coesas, atentas. A sensação penosa estava ali. Fecha os olhos concentrando-se mais uma vez. A pele precisa ser testemunha. Os olhos ardem com mais intensidade. Sente a pele abrasar, a visão embaça. Sim, precisava chorar. Precisava abrandar a dor. A pele seria testemunha. Precisava ser tocada pelos filetes aquosos... A dor já foi delatada. E eis que as lágrimas calorosas são recebidas pelas extensões da pele ardente. E nessa troca veio o arrefecer, a paz? Ainda não. Sua dor não era pura, simples, concisa. Está difundida demais. Antes da calmaria vem a tempestade. Desta feita, os filetes aquosos tornaram-se torrentes d’agua salgada. A boca trêmula se esticara num sorriso agonizante. Os dentes se estreitaram, como se lutassem entre si. As mãos tremulantes se agarraram ao cobertor. Os reflexos do próprio corpo agiam num labor silencioso. Agora sim, tomara conhecimento da intensidade do próprio sofrimento. Deixou que ele tomasse conta do seu corpo, por hora. Pessimista? Auto-destrutiva? Não. Fazê-lo era mesmo necessário. Precisava assumir seu próprio sofrimento, pelo menos, para si mesma. Ela ainda não se libertara. Ainda não deixara que seu corpo, sua alma, se estendesse além, ou através, de outrem.  No entanto, tudo dentro de si era extenso demais para os limites que lhe impora a sua condição carnal, humana. Minutíssima para uma alma prolixa. O seu vocabulário, ou até mesmo a pele, o maior tecido do corpo, não eram o suficiente para traduzir as extensões de sua força vital. Agora que a sua face rubra, e até mesmo o cobertor, conheciam a sua aflição, seu corpo estava exausto. Exausto, por chorar, demais para sentir nós na garganta, no estômago... É verdade que a cabeça doía-lhe ao dobro. Agora, porém, não sentia mais medo do porvir, de seus erros. Estava fraca demais, contudo, paradoxalmente sentia-se mais forte. Acabara de ter coragem de assumir, sozinha, para si mesma, o teor de seus medos. Fitava-os, intrépida. Seu corpo sentira o teor de sua precipitação. O futuro nunca foi problema. Talvez, nem mesmo o medo. O medo de assumir o medo é que a tornava fraca. Agora que os via tão mais nitidamente, mesmo com a visão embaçada, percebia-os tolos. Nada poderia ser pior do que o medo do medo. A ansiedade. A irreflexão. Deixaria a calmaria se instalar, mesmo que a tempestade voltasse em dias enevoados. Deitaria a face no travesseiro e dormiria. E, provavelmente, sonharia.


"Chorar é diminuir a profundidade da dor."   William Shakespeare
Ouvindo: Learning to Breathe - Switchfoot. 





[1]Nota: Trecho em negrito, excerto de "A hora da Estrela", Clarice Lispector.

2 comentários:

  1. Amo esse poema da Cecília.
    Sempre Cecília.

    =)

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  2. Oi!
    Passeando ai pelos blogs, encontrei o seu, adorei esse texto, diz tudo que a gente sente e que nem sempre consegue dizer...

    "O peito dói. Sente o nó na garganta, a respiração descompassa, a cabeça lateja, as mãos tremem, os lábios vacilam: Vai chorar. Sim, certamente, ela vai chorar."

    Simplesmente tudo!

    Amei, de verdade...

    bjs

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